Por Lea van Steen - Diretora, montadora e artista visual.
O ano era 1970 e eu tinha 5 anos. Foi a primeira vez que fui ao cinema. O filme era o desenho animado Bambi, de Walt Disney. O cinema era um dos que ficavam na Av. Santo Amaro. Estávamos muito excitadas e, logo na entrada, já éramos impactadas pelo grande recorte de madeira pintado à mão, com os personagens do filme. Era um cartaz em várias camadas - lindo!
Ao entrar na sala, o susto: eu nunca tinha visto uma “televisão” tão grande! A imagem era impressionante para o meu acentuado astigmatismo. O filme começou, e me lembro de que eu e minha irmã nos divertimos muito com a cena do pequeno Bambi aprendendo a andar e escorregando sem parar no gelo, com suas pernas desajeitadas e instáveis. O filme seguia fofo, até que a floresta pegou fogo. O desespero se instalou em meu coraçãozinho. Chorei e me escondi, agarrada à minha irmã. Foi a primeira vez que vivenciei a morte - ou, pior, percebi que minha mãe também poderia morrer.
Na mesma Av. Santo Amaro havia o Snob’s Auto Cine, um drive-in, e era muito divertido ir com a família no carrinho conversível do meu pai. O filme era uma espécie de Aladdin; era mágico ver aquela telona ao ar livre, à noite, tomando sorvete deitada no capô do carro ainda quente do motor. Nunca esqueci a cena do personagem encantado que passava serpenteando pelas grades para escapar da prisão. Não tenho ideia de que filme era, mas a cena me marcou - um efeito visual e tanto, que mexeu com a minha imaginação.
Quando estudava no Colégio Equipe, o cine Bijou ficava logo ali, e foi lá que pude ver vários filmes que me moldaram. Em qual outro cinema uma jovem de 13 anos poderia assistir a filmes de Bergman, Truffaut, Kurosawa? Eles não pediam documento - e nem precisavam, pois estava claro que eu não tinha a idade indicada. Pra quem tinha passado pela morte da mãe do Bambi, nada mais me abalaria (tanto).
O Cineclube Bixiga também era outro endereço aberto a todo tipo de público. Lá havia projeções em um toldo, logo na entrada do cinema. Enquanto esperávamos os filmes do Zé do Caixão, assistíamos às incríveis obras do cineasta canadense Norman McLaren, em que os sons da animação se somavam à animação de quem aguardava a próxima sessão.
Acho que fui a uma das últimas sessões do cine Comodoro, na Av. São João. O filme era Evita, de Alan Parker, e foi muito triste ver aquele gigante da tela curva (Cinerama) - palco dos filmes do 007 e outros feitos em 70 mm - deixar de existir.
Vida longa a eles!
São Paulo (SP) - 14/11/2025



