Memórias do cinema de rua - Sylvio Gonçalves


Os cinemas de rua do Grande Méier
Por Sylvio Gonçalves - Autor-roteirista de filmes como “S.O.S. Mulheres ao Mar”, “Ricos de Amor” e “Diários de Intercâmbio”.

A lembrança mais antiga que tenho de assistir a um filme em sala de cinema é Se Minha Cama Voasse, produção de 1971 dos estúdios Disney que chegou ao Brasil apenas em 1973. Como eu tinha então pouco mais de cinco anos, a memória me é vaga, mas confirmei no acervo digital do Jornal do Brasil que o filme esteve em cartaz em dezembro de 1973 no Santa Alice. Esse era um cinema que eu frequentava na região da Zona Norte do Rio de Janeiro conhecida como ‘Grande Méier’. Tendo morado durante a infância e a adolescência nessa região, os cinemas aos quais meus pais costumavam me levar eram Imperator, Art-Palácio Méier, e o citado Santa Alice.

O Santa Alice era sediado à Rua Barão de Bom Retiro, 1095, Engenho Novo. Era um cinema grande, com 1.235 lugares, de fachada simples, mas interior confortável, inaugurado em 1952, e que lamentavelmente foi um dos primeiros que eu vi ser convertido em igreja evangélica, já em 1982. É uma construção tombada e cuja fachada parece razoavelmente preservada, mas me pergunto se os moradores mais jovens sequer suspeitam que ali já foi um dos ‘palácios de cinema' da Zona Norte. Além de “Se Minha Cama Voasse”, lembro de ter assistido ali a outras produções dos estúdios Disney. Inclusive há uma foto famosa de 1980, que mostra uma fila de pais e filhos aguardando para assistir no Santa Alice a uma matinê do relançamento de Pinóquio (1940), sendo que a mesma marquise apregoa, na soirée, a produção erótica japonesa O Império dos Sentidos (1976). São aproximadamente dessa época os últimos dois filmes que lembro de ter assistido no Santa Alice: Meteoro (1979) e A Fúria de Chicago (1980).

O Imperator, felizmente, foi um cinema que permaneceu um pouco mais na minha vida. Conhecido à época como ‘o maior cinema da América Latina’, com 2.400 lugares, ficava na Rua Dias da Cruz, 170, bem no coração do Méier. Inaugurado em 1954, funcionou como cinema até 1986, e, felizmente, foi convertido primeiro numa casa de shows, que chegou a receber artistas internacionais, como a estrela Shirley MacLaine. A casa de shows durou pouco tempo, e o local permaneceu fechado até reabrir como Imperator - Centro Cultural João Nogueira, que inclui o cine Carioca Méier, com 179 lugares, capacidade comparável a uma sala de cinema de shopping. Dos tempos de palácio de cinema do Imperator, a minha lembrança mais marcante é de assistir à O Império Contra-Ataca (1980), certamente a maior tela na qual vi esse épico de ficção científica. O Imperator ficava muito perto da minha escola, Colégio Metropolitano, de modo que muitas vezes saí correndo da aula para pegar a primeira sessão noturna de filmes como Jornada nas Estrelas: O Filme (1979) ou 007 - Somente Para Os Seus Olhos (1981). Foi ali que vi um dos meus filmes favoritos, Os Demônios, dirigido por Ken Russell em 1971, mas liberado pela censura apenas em 1984.


A outra sala principal do Méier era menor, mas igualmente simpática, o Art-Palácio Méier, que ficava à Rua Silva Rabelo, 20. Foi inaugurado em 1957 como cine Eskye Méier, e rebatizado Art-Palácio Méier em 1959. Com 1076 lugares, era uma sala de médio porte, contando com poltronas confortáveis e boa projeção, mas me incomodava particularmente o fato de as portas da sala darem para o lobby que, por sua vez, tinha portas de vidro que saíam diretamente na rua – ou seja, nas sessões diurnas, luz vazava para a tela cada vez que chegavam novos espectadores, o que naquela época de venda ininterrupta de ingressos na bilheteria, era constante. Esse era outro cinema dedicado a blockbusters, e ali assisti a produções como Galáctica: Astronave de Combate (1978), Laços de Ternura (1983) e Nikita: Criada Para Matar (1990). Hoje é uma igreja evangélica.

Ainda no Méier tínhamos dois cinemas mais simples, que confrontavam um ao outro por cima da linha férrea que divide o bairro. De um lado, o Bruni Méier, à Rua Amaro Cavalcanti, 105, pertencia ao circuito Bruni, e minha lembrança mais feliz eram os 'festivais de férias' que exibiam relançamentos de filmes de grande sucesso. Inaugurado como cine Méier em 1929, e rebatizado Bruni Méier em 1963, passou a exibir uma programação exclusivamente pornográfica em seus últimos anos, antes de fechar em 1999. Hoje é uma concessionária de motos Honda.

Do outro lado dos trilhos do trem ficava o Paratodos, à Rua Arquias Cordeiro, 350. Era uma sala com programação excelente, onde pude ver filmes importantes como Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977) e Kramer Vs Kramer (1979), incluindo os nacionais Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), em relançamento em 1982, e Com Licença, Eu Vou à Luta (1986). A boa programação, entretanto, contrastava com as acomodações espartanas, que incluíam cadeiras de madeira que pareciam datar de sua inauguração em 1935. O Paratodos foi fechado no começo dos anos 2000 para dar lugar a uma igreja evangélica.

Quando cheguei à adolescência, passei a me deslocar para outro bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, a Tijuca, que até fins dos anos 1980 contou com um número de cinemas grande o bastante para abarcar simultaneamente quase toda a programação da cidade. Aos poucos, passei a ver filmes também no Centro e na Zona Sul, apenas aumentando a lista de cinemas de rua extintos que guardo na memória e no coração.

Rio de Janeiro (RJ) – 25/03/2025

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BIBLIOGRAFIA DO SITE

PRINCIPAIS FONTES DE PESQUISA

1. Arquivos institucionais e privados

Bibliotecas da Cinemateca Brasileira, FAAP - Fundação Armando Alvares Penteado e Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - Mackenzie.

2. Principais publicações

Acervo digital dos jornais Correio de São Paulo, Correio Paulistano, O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo.

Acervo digital dos periódicos A Cigarra, Cine-Reporter e Cinearte.

Site Arquivo Histórico de São Paulo - Inventário dos Espaços de Sociabilidade Cinematográfica na Cidade de São Paulo: 1895-1929, de José Inácio de Melo Souza.

Periódico Acrópole (1938 a 1971)

Livro Salões, Circos e Cinemas de São Paulo, de Vicente de Paula Araújo - Ed. Perspectiva - 1981

Livro Salas de Cinema em São Paulo, de Inimá Simões - PW/Secretaria Municipal de Cultura/Secretaria de Estado da Cultura - 1990

Site Novo Milênio, de Santos - SP
www.novomilenio.inf.br/santos

FONTES DE IMAGEM

Periódico Acrópole - Fotógrafos: José Moscardi, Leon Liberman, P. C. Scheier e Zanella.

Fotos exclusivas com publicação autorizada no site dos acervos particulares de Joel La Laina Sene, Caio Quintino,
Luiz Carlos Pereira da Silva e Ivany Cury.

PRINCIPAIS COLABORADORES

Luiz Carlos Pereira da Silva e João Luiz Vieira.

OUTRAS FONTES: INDICADAS NAS POSTAGENS.