Cinemas da minha rua
Por José Roberto Torero - Escritor, cineasta, roteirista e jornalista.
Em Santos, onde nasci, só havia cinemas de rua. As salas em shoppings só chegaram quando eu já estava em São Paulo, fazendo a faculdade de Letras. Então, o cinema de rua para mim é, antes de tudo, um lugar de boas memórias.
Lembro, por exemplo, da primeira vez que fui ao cinema sozinho, pegando ônibus e tudo. Me senti um adulto. Eu tinha nove ou dez anos e minha ideia era ver um filme sobre Emerson Fittipaldi. Mas confundi os nomes dos cinemas e acabei indo parar no cine Caiçara, onde estava passando “Tom e Jerry”. Não foi daquela vez que alcancei a maioridade.
Lembro de ir a pé com meu avô ao imenso cine Brasília (virou supermercado), em Santos, para ver sessões duplas. Nunca me esqueço do dia em que assistimos a um filme de bang-bang e outro de romanos. Na volta, fiquei pulando sobre a cama de meus avós, morrendo e matando mil vezes, ora com revólveres, ora com lanças, às vezes misturando tudo.
Lembro que, também com meu avô, fui ver “Independência ou Morte”, no Praia Palace. E não imaginava que aquele era meu primeiro encontro com o Chalaça, personagem de meu primeiro livro.
Lembro das sessões Coca-Cola em que eu e meus irmãos íamos nos domingos pela manhã. O filme nem importava tanto. O que valia mesmo era o refrigerante grátis, que a gente podia tomar à vontade. Foi minha iniciação nas nobres artes de segurar xixi e soltar arroto.
Lembro de ver “Caçadores da Arca Perdida” junto com umas mil pessoas no Roxy. Houve urros, palmas e gritos. As torcidas organizadas de futebol ficariam enrubescidas.
Lembro de ir no Alhambra para ver um filme ‘só para maiores’. Menti que tinha 18 anos, mas estava com 15 e parecia ter 13. O porteiro, com pena, me deixou entrar. Pelo título, “Casanova”, pensei que veria um filme cheio de seios e bundas. Mas o diretor, um tal de Fellini, decepcionou minhas espinhas adolescentes. Esperava mais sexo e não entendi nada. Aliás, esta talvez seja uma boa frase para minha lápide.
Depois, lembro de ver o ciclo Bergman no cine Independência e pensar “é diferente, mas é legal”, e lembro que o Indaiá-Arte fazia umas semanas malucas, passando um filme de arte por dia.
Nesse mesmo Indaiá-Arte lembro que fui ver “Manhattan”, de Woody Allen. Eu e mais dois amigos tínhamos ido ver uma comédia com Burt Reynolds noutro cinema, mas não havia lugar. Só nos restou o cinema ao lado, onde passava um filme em preto e branco. Lembro que gostei um bocado e comecei a pensar que fazer filmes podia ser divertido. Acabei fazendo roteiros de mais de dez longas, outro tanto de curtas-metragens e de um bocado de programas de tevê.
São Paulo (SP) - 26/02/2025