Memórias do cinema de rua - Rubens Ewald Filho


Lembranças da Santos da minha época
Por Rubens Ewald Filho - Jornalista, crítico de cinema, ator, cineasta, apresentador e diretor teatral.

Quando se fala em “programa duplo” hoje em dia, muita gente nem sabe do que se trata. Mas, afinal, o que era isso?

Pois é, houve um tempo em que as famílias iam juntas ao cinema - geralmente aos finais de semana - e existiam os chamados cinemas lançadores e os cinemas de bairro, que seguiam a tradição mundial do double feature. Primeiro, exibia-se um filme B - geralmente mais curto e com orçamento menor - acompanhado de complementos como documentários, trailers, desenhos animados ou comédias curtas. Após um breve intervalo, era exibido o filme principal - o grande destaque da sessão.

Na cidade de Santos, nos anos 1950, não era diferente. Havia os cinemas lançadores, como o Roxy (o único que, de alguma forma, ainda sobrevive), o Iporanga, o Caiçara, o Atlântico e o Gonzaga. Mais tarde, a chamada Cinelândia santista ganhou reforços com o Praia Palace e o Teatro Independência, que passou a exibir filmes a partir da estreia de Adeus às Armas.

Nos bairros da cidade, também havia cinemas, muitas vezes localizados bem próximos uns dos outros. E todos lotavam! Os filmes percorriam uma espécie de “roteiro” pela cidade, chegando a cada cinema em determinada ordem - com ingressos mais baratos e uma programação que variava durante a semana. Ou seja: o santista ia ao cinema com frequência, e Santos era um excelente lugar para quem gostava de ver filmes. Tínhamos, inclusive, as vantagens dos cinemas do interior: preços acessíveis, proximidade e, principalmente, um público fiel e apaixonado.

O grande desafio da época eram os filmes proibidos para menores de 18 anos, classificados pela censura segundo critérios misteriosos - e que hoje parecem até ridículos. Filmes europeus, especialmente os franceses, carregavam a fama de “fortes” e, por isso, eram quase sempre vetados para menores. Até mesmo as obras de Ingmar Bergman eram taxadas como eróticas, por causa da naturalidade nas cenas de nudez - como no caso de Mônica e o Verão.

Para nós, garotos curiosos, o desafio era burlar o controle: falsificar carteirinhas de escola, pagar o valor inteiro do ingresso fingindo ter idade suficiente... Claro que os porteiros desconfiavam, mas havia uma certa hipocrisia no ar - uma conivência disfarçada, que muitos ainda mantêm hoje, em outras formas.

Nunca me esqueço do terror que era um porteiro baixinho no cine Atlântico, que nunca caía na conversa. Quando ele barrava, era preciso devolver o ingresso - e, até hoje, tenho pesadelos com isso. Vivo atrás dos filmes que perdi por ter sido barrado na porta! Felizmente, eu era alto para a minha idade, o que me ajudou a entrar em muitas sessões proibidas. Desde Bom Dia, Tristeza, baseado no escandaloso livro de Françoise Sagan, consegui assistir a quase todos os títulos vetados aos menores.

Dois momentos que não saem da minha memória: a estreia de La Dolce Vita, no recém-inaugurado cine Indaiá, e uma sessão de O Terceiro Sexo, um filme europeu sobre homossexualidade - tabu absoluto na época - cuja exibição contou até com a presença do jovem Pelé.





Em essência, quero dizer que, para os amantes da Sétima Arte, Santos era o cenário ideal para se viver a infância e amadurecer entre filmes e salas de cinema.

Não posso deixar de mencionar o Clube de Cinema de Santos - um dos primeiros cineclubes do país - que realizou um trabalho belíssimo por décadas. Foi uma sorte para todos nós termos o Maurice Lègeard e seu Clube de Cinema, que, nos anos 1960, preenchia as lacunas dos lançamentos comerciais com curadoria refinada e inovadora. Tivemos ainda as famosas sessões da meia-noite do Roxy, onde víamos de tudo: Fellini, Bergman, cinema tcheco, russo... Era uma época de efervescência criativa no cinema mundial - e, felizmente, Santos não ficou de fora.



Rubens Ewald Filho
Santista de nascimento e de coração, Rubens Ewald Filho recebeu o título de 'Cidadão Emérito' da cidade e se orgulha de nela haver uma sala de arte com seu nome. Aliás, foi no jornal Tribuna de Santos que começou a escrever e onde ainda hoje mantém uma coluna. Tempos depois, em São Paulo, passou a escrever também para o Jornal da Tarde e o jornal O Estado de S.Paulo. Em sua longa e vitoriosa carreira como jornalista colaborou com os principais órgãos de imprensa do Brasil, incluindo a revista Veja.
Foi para a televisão no começo dos anos 1970, passando por várias emissoras como autor de novelas (entre elas a adaptação do texto de Sra. Leandro de Drupré, “Éramos Seis”, que recebeu o Troféu Imprensa e o Prêmio APCA). Trabalhou, também, como apresentador, programador, diretor de produção e programação na HBO Brasil. Além disso, foi diretor de curtas-metragens e atuou como assistente de direção, roteirista e ator em vários filmes. Em seus mais de trinta anos de carreira, Rubens Ewald Filho ostenta o título invejável de ser o mais conhecido e popular crítico de cinema do Brasil, graças principalmente às suas aparições na televisão, quando apresentou o "TV Escolha", na Rede TV, o "Cine Brasil", na Rede Cultura, a festa do Oscar pelo SBT e Rede Globo e seu próprio programa "Cinema com Rubens Ewald Filho", pela Rede Telecine, mas também pela significativa marca de mais de vinte mil filmes vistos e registrados.
Em 1978, Rubens iniciou a sua carreira de autor de livros lançando a primeira edição do Dicionário de Cineastas, uma obra inédita e sem similar no Brasil. Em 1985, publicou uma nova edição revista do dicionário. Nos anos 1980, os seus Guias de Vídeo - Vídeo News tiveram treze edições. Publicou também os pioneiros Os Filmes de Hoje na TV e Guia do DVD. Em 2001, lançou Os Cem Melhores Filmes do Século 20 e Cult Movies do Século 20, e uma nova edição revista e ampliada do Dicionário de Cineastas. Em 2002 editou o Guia de Filmes em DVD - DVD News. Em 2003 lança O Oscar e Eu. Em 2007, o Guia de DVD 2007 - Cinema com Rubens Ewald Filho e, com Nilu Lebert, O Cinema Vai à Mesa. Em 2008, um novo Guia de DVD (atualizado) e mais um livro com Nilu Lebert, Bebendo Estrelas.
Biografia extraída do livro “Dicionário de Cineastas”, de Rubens Ewald Filho, com atualizações de Antonio Ricardo Soriano.

Em 19/06/2019:

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BIBLIOGRAFIA DO SITE

PRINCIPAIS FONTES DE PESQUISA

1. Arquivos institucionais e privados

Bibliotecas da Cinemateca Brasileira, FAAP - Fundação Armando Alvares Penteado e Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - Mackenzie.

2. Principais publicações

Acervo digital dos jornais Correio de São Paulo, Correio Paulistano, O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo.

Acervo digital dos periódicos A Cigarra, Cine-Reporter e Cinearte.

Site Arquivo Histórico de São Paulo - Inventário dos Espaços de Sociabilidade Cinematográfica na Cidade de São Paulo: 1895-1929, de José Inácio de Melo Souza.

Periódico Acrópole (1938 a 1971)

Livro Salões, Circos e Cinemas de São Paulo, de Vicente de Paula Araújo - Ed. Perspectiva - 1981

Livro Salas de Cinema em São Paulo, de Inimá Simões - PW/Secretaria Municipal de Cultura/Secretaria de Estado da Cultura - 1990

Site Novo Milênio, de Santos - SP
www.novomilenio.inf.br/santos

FONTES DE IMAGEM

Periódico Acrópole - Fotógrafos: José Moscardi, Leon Liberman, P. C. Scheier e Zanella.

Fotos exclusivas com publicação autorizada no site dos acervos particulares de Joel La Laina Sene, Caio Quintino,
Luiz Carlos Pereira da Silva e Ivany Cury.

PRINCIPAIS COLABORADORES

Luiz Carlos Pereira da Silva e João Luiz Vieira.

OUTRAS FONTES: INDICADAS NAS POSTAGENS.