Oito de outubro de 2013 entra para a história como o dia em que Belo
Horizonte passou a conviver novamente com um dos seus mais belos patrimônios
materiais: o Cine Theatro
Brasil Vallourec. Localizado no coração da capital mineira, é um dos
principais símbolos da cultura belo-horizontina, de seus valores, hábitos e
costumes.
Projetado em 1930 pelo arquiteto Alberto Murgel e inaugurado em 14 de
julho de 1932, o Cine Theatro Brasil foi um marco na arquitetura da ainda
provincial Belo Horizonte. Foi o primeiro prédio da cidade sob a influência do estilo Art-Déco, inspirado na arquitetura francesa, com volumes
geométricos bem definidos, pouca ornamentação, vitrais de ferro e vidro
martelado e revestimento das fachadas em pó de pedra.
A construção também foi pioneira na utilização de concreto armado,
contando com a assessoria técnica do engenheiro calculista Emílio Baumgart,
que, posteriormente, trabalhou no grupo modernista carioca integrado
por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Todo o concreto utilizado foi importado da
Inglaterra.
Durante um bom tempo, o Cine Theatro Brasil foi o prédio mais alto de
Belo Horizonte. O fascínio por conhecer a cidade do alto era tamanho que as
pessoas pagavam ingresso para visitar o terraço de onde se avistava toda a
Serra do Curral.
O pioneirismo arquitetônico do Cine Theatro Brasil abriu caminho para
edificações construídas nas duas
décadas seguintes em Belo Horizonte, como o Edifício Ibaté (Rua São Paulo),
o Edifício Capixaba (Rua Rio de Janeiro), o prédio do Centro dos Chauffeurs
(Rua Acre), a sede da Prefeitura Municipal, o edifício dos Correios e
Telégrafos (Av. Afonso Pena) e o Edifício Chagas Dória (Rua Sapucaí). Esse
movimento fez com que Belo Horizonte se tornasse uma das cidades brasileiras
com maior presença do estilo Art-Déco.
Um espaço para todos
Nem todos conseguem se lembrar, mas, como o próprio nome já diz, o Cine
Theatro Brasil foi construído como um espaço para abrigar diversas formas de
arte, como teatro, ópera, música e, claro, o melhor da sétima arte. Também era
o ponto de encontro da sociedade belo-horizontina, com eventos como os
tradicionais bailes de carnaval que aconteciam nos foyers internos do teatro.
Além do teatro com 1.827 lugares, durante décadas, o espaço abrigou
dezenas de salas comerciais, além do tradicional Bar Brasil e do primeiro
Restaurante Popular inaugurado por Juscelino Kubitschek em 01 de maio de 1952.
Lá trabalhavam distintos profissionais liberais, como médicos, dentistas e
advogados, além de empresas dos mais diversos ramos de atividade.
Do romance à Stallone
O primeiro filme exibido no Cine Theatro Brasil foi “Deliciosa”, romance musical da Fox
Moviestone, que apresentava a vida de uma imigrante num transatlântico. A estreia contou com a presença do ator principal do filme, Raul Roulien, que saudou
a plateia em duas sessões completamente lotadas. Cerca de 2,5 mil pessoas se
amontoaram para assistir ao filme e observar os trajes, bailes e os costumes de
uma época na qual a Europa ditava a moda em Belo Horizonte.
Durante décadas, já exclusivamente como cinema, o espaço exibiu centenas
de produções cinematográficas. Do clássico ao popular, os filmes marcaram a
vida de muitas gerações. Charles Chaplin, Mazzaropi e até Os Trapalhões – todos
tiveram espaço no cinema mais querido da cidade. Em 1999, o já decadente Cine
Brasil exibia sua última sessão: “O Especialista”, de Sylvester Stallone.
A Restauração
Devido à sua
relevância arquitetônica e histórica para Minas Gerais, o prédio do Cine
Theatro Brasil Vallourec é tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico
Estadual e Municipal.
Após sete anos fechado, em 2006, o edifício foi adquirido pela Fundação
Sidertube, mantida pelo grupo Vallourec, tendo em vista dois importantes
propósitos: restaurar este extraordinário patrimônio da cidade e, ao mesmo
tempo, transformá-lo num centro de cultura para a população de Belo
Horizonte.
O grande desafio da restauração foi conhecer a estrutura do imóvel sem
as plantas originais, que se perderam com o tempo. Nas escavações, foram
encontradas a pedra fundamental da construção, de 1928 e uma caixa com moedas e
outros objetos deixados pelos operários no primeiro dia de obras, assim como
mandava a tradição da engenharia.
A fachada principal do edifício foi reconstituída seguindo a construção
original, com revestimento em pó-de-pedra, três grandes vitrais com desenhos
geométricos e quatro grandes lanternas em metal e vidro. As tradicionais portas
pantográficas também foram reconstruídas e possibilitam ao público admirar,
mesmo da calçada, o hall de entrada do Cine Theatro Brasil Vallourec, assim
como acontecia na década de 1930.
Mesmo tendo sido construído originalmente sob uma super-resistente
construção de concreto armado, o prédio recebeu uma nova estrutura de
sustentação, feita com tubos de aço produzidos pela Vallourec. O reforço
possibilitou a construção de um novo pavimento, com fundação independente,
acima do telhado original.
Outro grande desafio das equipes de arquitetura e engenharia foi
reconstituir parte da estrutura que se desgastou ou se perdeu com o tempo, como
os quatro vitrais originais da fachada, projetados nos Estados Unidos. Os
ladrilhos hidráulicos, com formas geométricas, tiveram que ser reproduzidos por
uma empresa especializada, de Barbacena (MG). Quatrocentas poltronas originais
foram restauradas por uma empresa do Paraná – a mesma que as construiu, em 1932
– e, agora, encontram-se no Teatro de Câmara, com capacidade para 200 pessoas,
e outras 200 nas últimas filas do balcão do Grande Teatro.
As frisas laterais, eliminadas em uma das reformas do espaço, foram
descobertas pelos arquitetos em fotografias dos primeiros anos do teatro e
reconstruídas. Mas a maior surpresa da equipe de restauro estava escondida por
trás de cinco camadas de tinta. Foram recuperadas as pinturas originais em
estilo Art Déco do teatro principal, assinadas pelo artista-plástico italiano
Ângelo Biggi, radicado em Juiz de Fora (MG).
Em tons de marrom, as pinturas seguem o estilo marajoara com formas
geométricas.
As escadas originais, uma delas em
formato caracol, também foram restauradas, mas, na reforma, foram construídas
outras três saídas de emergência, além de quatro elevadores.