Quem matou o cinema de rua?
Por Maurício Kus.
Esta é uma
charada que nem Sherlock Holmes conseguiria decifrar. São tantas as causas que
acabaram com o cinema de rua, que um cirurgião diria que o paciente morreu de
infecção generalizada.
Há os
que pregam que o carro acabou com o habito de ir ao cinema com mais
frequência. Quando Juscelino Kubistchek instalou a indústria
automobilística e os primeiros Volkswagen e DKW começaram a aparecer nas
garagens da classe média, as pessoas descobriram alternativas para o
entretenimento, além do cinema. As famílias passaram a admirar os encantos das
cidades da Grande São Paulo, faziam passeios de carro, almoçavam fora,
visitavam mais os parentes e amigos (nem que fosse para exibir o carro novo) e
as bilheterias foram definhando.
Outros afirmavam
que a televisão matou o cinema, principalmente o cinema nacional.
Exibindo filmes dublados, conquistava uma grande maioria de não alfabetizados
ou semialfabetizados que tinham dificuldades em acompanhar as legendas,
enquanto os diálogos se desenvolviam. Porém, o maior prejuízo que a
televisão trouxe ao cinema, foi justamente para o filme brasileiro. Contratando
os grandes astros do cinema e lançando programas de shows e variedades com o
mesmo desenvolvimento humorístico das tradicionais chanchadas do cinema
nacional da época, a televisão fez os cinemeiros
migrarem para a televisão, deixando de ir ao cinema. A chanchada acabou e
a Atlântida, do produtor e exibidor Luiz Severiano Ribeiro, submergiu naquele
chafariz que era a sua marca registrada.
Mazzaropi resistiu
com firmeza ao canto da sereia da televisão e continuou produzindo seus
próprios filmes, que eram sucesso de bilheteria. Todo dia 25 de janeiro
lançava o filme do ano e recusava convites para entrevistas de televisão nos talk
shows da época. Dizia: “Porque vou dar de graça, o que o
público paga para ver nos cinemas?”. Morreu
milionário,
seus herdeiros delapidaram sua fortuna, seu acervo de filmes sumiu, mas
permanece como um ícone do cinema brasileiro. Se o México tem Cantinflas;
a Itália, Totó; a França Jacques Tati; a Inglaterra, Mr. Beans, cultuados pelo
público e pela crítica, porque nossos críticos são tão esnobes? Nunca
reconheceram e não reconhecem até hoje, o valor de Mazzaropi, negando o
destaque merecido no cinema nacional. Será porque fazia filmes para as
classes D e E, as mesmas cobiçadas hoje por dez
entre dez proprietários de supermercados?
Luiz Severiano
Ribeiro fez uma adaptação do bordão do mercado americano “Cinema é a melhor
diversão”, mas não colou, as bilheterias rodavam ladeira abaixo e os cinemas de
rua, nos bairros, iam fechando.
Outro argumento
poderoso que matou os cinemas de rua foi a segurança. As pessoas
começaram a ficar com medo de sair à rua, à noite. Mesmo indo de
carro, havia o problema de estacionamento, que os shoppings resolveram,
abrigando cinema, espectador e carro sob o mesmo teto. Tradução, mais cinemas
de rua fechando.
Depois vieram,
a especulação imobiliária, a pirataria, as igrejas evangélicas e a fase
Cinemark, com cinemas tipo stadium, que devolveram a alegria de ir ao cinema.
Introduziu-se a pipoca combo, Coca Cola, lanchonete, poltronas confortáveis, ar
condicionado, projeção e som perfeitos e outras benesses que fizeram o cinema
voltar a ser programa, inclusive poltronas numeradas e compra de ingressos pela
internet, sem fila.
O público
encolheu e os preços subiram, mas o cinema nunca vai morrer. Seus métodos
de comercialização, marketing e merchandising evoluem constantemente, seja
exibição em TV aberta, TV paga, licenciamento de produtos de consumo, Blu-ray’s,
DVD’s
ou CD’s.
Porém,
para movimentar todo este universo de rentabilidade, tem que haver o
filme. Sem o set de filmagem, sem produzir um filme, nada disto acontece,
nem que surjam outras mil formas de exibição e comercialização. Por isso,
uma boa história, um roteiro bem feito, um bom diretor e um elenco de talento
ainda são a melhor diversão, enfatizando a frase espalhada por Luiz Severiano
Ribeiro.
Os cinemas
de rua tinham particularidades interessantes. O Brás, como era um bairro
de maior densidade demográfica, tinha maior número de salas. O Universo e o Piratininga
tinham acima de 3.000 lugares cada, e como ar condicionado era um luxo, o Universo
tinha o teto retrátil que abria nas noites de calor. Além destes dois, o Brás
contabilizava o Roxy e o Colombo.
Este último terminou de forma trágica. Numa matinê de domingo, durante um
combate aéreo na tela, alguém gritou “Fogo!”. O cinema tinha cerca de 500
pessoas que se levantaram em pânico, houve pisoteamentos, resultando em quase
300 feridos e mais de 100 mortos. Não tinha fogo nenhum, só tristeza, lágrimas
e uma cidade traumatizada.
Cine Universo |
No bairro
da Liberdade existiam três cinemas, Niterói,
da Toei; o Nippon, da Shoshiku
e o Nikatsu que
exibiam as mais recentes produções japonesas dos estúdios que levavam o nome do
cinema.
Os “cinemas
poeira” ficavam no centro velho de São Paulo. Eram o Alhambra, Cairo, São
Bento,
Santa Helena
e Pedro II, que
exibiam filmes em programa duplo desde as 10 horas da manhã. Contrariamente aos
outros cinemas, suas piores bilheterias eram no sábado e domingo, quando os
escritórios e o comércio fechavam. Seus frequentadores eram office boys,
oficiais de justiça, vendedores, pessoal dos escritórios que davam uma
esticadinha no horário do almoço, e colegiais de uniforme e pasta de livros na
mão, que cabulavam a aula. Passavam filmes de muita ação, cuja duração não
passava de 80 minutos, em sua maioria westerns, estrelados por Tom Mix, Gene Autry,
Roy Rogers, Hopalong
Cassidy e os grandes astros Joel McCrea
e Randolph
Scott. Muitos juravam que os dois machões dos bang-bang
eram amantes, mas naquele tempo o segredo de ser gay era mais bem guardado que
a fórmula da Coca Cola.
O cine Astor (que bom!), no Conjunto Nacional, hoje é a mega
Livraria Cultura, que tem até um teatro funcionando regularmente, em meio a
milhares de livros.
O tradicional
cine Windsor
fechou recentemente e virou igreja. O Jussara
(depois Dom José) é
forçado a adotar uma programação “adulta” para não fechar, mas há comentários
no mercado, que o proprietário pretende uma revitalização da sala, voltando à
programação normal, como sua contribuição para a reabilitação da velha
Cinelândia paulistana.
O Cine
Metro, o primeiro a ter ar condicionado do Brasil, hoje é a sede de uma igreja
evangélica que ocupa o vizinho cine Oásis como estúdio para a elaboração e
gravação dos programas.
Em 1942,
numa época em que os filmes ficavam entre duas a três semanas em exibição, o
cine Trianon
(onde hoje é o Belas Artes), exibiu por um ano o filme “Sempre em meu coração”,
estrelado por Kay Francis, cantora de muito sucesso
nos Estados Unidos, onde brilhava no teatro, rádio e cinema. Fez mais de 50
filmes, mas o sucesso brasileiro foi um acontecimento inesperado para os
estúdios de Hollywood.
O cine Arlequim
funcionou como auditório da Rede Bandeirantes, mas hoje é uma igreja
evangélica. A maioria dos cinemas de rua foi demolida e hoje não se reconhece
sua localização exata, cercados de altos edifícios de escritório ou
residenciais. Alguns como o Rio Branco, que tinha exibição em 70 mm e exibia os
blockbusters da época, viraram estacionamento.
O Marrocos,
o mais luxuoso cinema de São Paulo, sede do Festival Internacional de Cinema no
IV Centenário de São Paulo, exigia uso de gravata de seus espectadores.
Lembro que um dos porteiros “alugava” as gravatas para quem estivesse só de
paletó, as mantendo guardadas na chapelaria. Sim, o Marrocos tinha chapelaria.
Seu proprietário Lucydio Ceravolo,
foi um dos últimos gentlemen de sua época.
Cine Marrocos |
Tivemos dois
cinemas especiais: o Comodoro Cinerama
que exibia filmes através de três projetores que funcionavam simultaneamente,
dando uma impressão de terceira dimensão numa tela gigantesca e o Cinespacial, um
cinema circular com três telas exibindo o mesmo filme, e com visão boa de
qualquer lugar.
O Nacional,
na Lapa, depois virou casa de shows e mantinha nos andares superiores do prédio
os escritórios da Cia. Cinematográfica Serrador.
Como esquecer
o meu primeiro cinema?
Bons tempos
aqueles, em que eu, aos doze anos de idade, saía do cine Lux, dez e meia da noite, andava a pé
pela Rua José Paulino e atravessava (incólume) o que hoje é a cracolândia
e chegava em casa, tratando de dormir logo, pois no dia seguinte tinha aula
cedinho da manhã...
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