Por Roberto Hirao (Colunista do jornal “Agora São Paulo” e autor do livro “70 Lições de Jornalismo” – Editora Publifolha – 2009)
O Marabá é um gigante diante das atuais salas dos shoppings, mas é pequeno se comparado com os cinemas antigos. Havia em São Paulo, na primeira metade do século passado, uma obsessão pelo grande. No Brás, duas salas disputavam o título de maior cinema do Brasil: o Piratininga e o Universo, todos com mais de 4000 lugares. O sonho dos paulistanos era ter uma Radio City Music Hall (casa de espetáculos de Nova York) para 7000 pessoas.
Essa obsessão tem raízes históricas. Naquela época, a cidade já era cosmopolita, mas se ressentia da falta de atividades culturais, concentradas no Rio. Para compensar, empresários construíram casas de espetáculos que deveriam ser as melhores e mais luxuosas. O cine Rosário, no prédio Martinelli, na São João, inaugurado em 1929, era revestido em mármore de Carrara e tinha lustres tchecos. Do porteiro ao lanterninha, todos eram bilíngües, e o espectador tinha de usar paletó, gravata e chapéu. Ir ao cinema não era simples como é hoje. A família se preparava durante toda a semana.
Sala de espera do cine Rosário
Até os anos 80, os cinemas se concentravam em torno da Avenida São João. Durante muito tempo, a principal sala da região era o impecável cine Metro. Em 1954, surgia outro templo de luxo, o cine Marrocos, na Rua Conselheiro Crispiniano. Doze anos depois, veio o Olido, primeiro cinema dentro de uma galeria. As sessões tinham música ao vivo.
Cine Marabá: trajetória de luxo
O Marabá não nasceu para ser um cinema popular. Quando foi inaugurado, na Avenida Ipiranga, no dia 13 de maio de 1945, com o filme “Desde que Partiste” (“Since You Went Away”), que tinha Claudette Colbert e Shirley Temple no elenco, rivalizava em luxo com o cine Metro, 500 metros adiante, na Avenida São João.
As dondocas da época passeavam pela elegante Rua Barão de Itapetininga (muito antes dos calçadões e dos trombadinhas), saboreavam um chá na confeitaria Vienense e depois se dirigiam ao cine Marabá.
Quem não tinha dinheiro fazia um programa diferente. Assistia a um filme no Ipiranga (em frente ao Marabá) e, na saída, passava pela vizinha Salada Paulista, que só servia salsicha com uma prosaica salada de batatas. E vivia cheia. Comia-se de pé em um balcão com dezenas de garçons. Quando um deles recebia uma caixinha, anunciava em voz alta: “Caixinha!”. Os demais garçons, sempre sorridentes, respondiam em coro: “Obrigado”.
Mas o que não faltam são histórias dessas grandes e antigas salas de cinema da cidade:
Clube do Bolinha
Nudez e sexo eram inadmissíveis nos cinemas nos anos 30, mas os exibidores encontravam uma brecha. Como a censura deixava passar documentários sobre colônias de nudismo, promoviam-se sessões especiais com esses filmes “só para público adulto” e “proibido para senhoritas”.
Tragédia na matinê
Em 1938, uma tragédia resultou na criação das primeiras normas de segurança para as salas de cinema. Durante uma matinê dominical no cine Oberdan, no Brás, um falso alarme de incêndio provocou pânico e 30 crianças e um adulto morreram pisoteados.
Protesto explosivo
No cine Ouro, em maio de 1986, um evangélico explodiu uma bomba caseira em protesto contra os filmes de sexo explícito.
Namoro proibido
Namoro no escurinho do cinema tinha limite. Casais fogosos eram levados à gerência e ameaçados de encaminhamento para a Delegacia de Costumes (uma delegacia de polícia especializada em defender “a moral e os bons costumes”).
Fila boba
Quando os exibidores decidiram acabar com a meia-entrada, os estudantes protestaram com a chamada “fila boba”. Um grupo de estudantes formava uma fila e, quando chegava à bilheteria, não comprava ingresso. Da bilheteria, retornava ao fim da fila.
Santa pornografia
Com o fim da censura, o governo pretendia criar salas especiais para os filmes pornográficos. Mas a onda pornô foi mais forte. Assim, surgiram salas pornô com nome de santos. Debaixo do nome do cinema – São José, por exemplo – vinha o cartaz do filme “Orgias Diabólicas”. O jeito foi mudar o nome do cinema.
De saia pode
Em 1956, o arquiteto e artista plástico Flávio de Carvalho desafiou as rígidas regras dos cinemas de luxo, que exigiam paletó e gravata e foi ao Marrocos, o mais requintado da época, usando saia. Ele defendia a tese de que a saia era o traje mais adequado para uma cidade tropical. Entrou sem problemas.