Minha primeira vez no cinema - Sílvia Torres

Por Sílvia Torres - Professora particular.

Copacabana, dezembro de 1970. Meu pai foi a trabalho para o Rio de Janeiro e, como ficaria uma semana, resolveu levar a família para conhecer a cidade tão famosa.

E lá fomos nós, minha mãe, meus dois irmãos e eu, com apenas 4 anos na época.

Empolgados com a viagem, mesmo sendo de carro, não queríamos ficar no hotel, estávamos doidos para ir à praia. Claro que gostaríamos de ficar no mar, mas meus pais escolheram um dia para passearmos pela cidade.

Andando por Copacabana, a sensação térmica devia ser de uns 45°C., então, começamos a procurar um local para nos refrescarmos um pouco.



Caminhávamos na avenida Atlântica. Estávamos bem suados e vermelhos e paramos em frente ao cinema Rian. Meu pai, um advogado que adoraria ter sido historiador, começou a contar que o nome era em homenagem à fundadora, viúva do Marechal Hermes da Fonseca, Nair de Teffé, que fora inaugurado em 1932 e, antes que continuasse, minha mãe falou:

“Olha! Está passando Bambi! As crianças vão adorar, até porque tem ar-condicionado. Vamos assistir?”

Pronto! Resolvido. No meio da tarde, sem programar ou ler a sinopse do filme, entrei pela primeira vez num cinema. Fiquei admirada com a quantidade de assentos, mais de mil. Também estranhei a penumbra, as falas sussurradas, pessoas bem arrumadas, como se estivessem numa festa, olhando para uma tela enorme, bem maior do que a lousa da escola.

Sentamos mais na frente por causa da minha altura e também porque o ‘lanterninha’ nos encaminhou para lá. Obedecemos. Tocava uma música ao fundo e algumas luzes ainda estavam acesas, mas, de repente, as luzes se apagaram, a tela se iluminou e o som alto tomou conta do ambiente. Nem minha mãe conseguia ouvir o que eu falava e olha que mãe costuma escutar tudo, né?

Fiquei paralisada. Não tirava os olhos da tela, nem me mexia. Parecia que eu ia entrar dentro do filme e sentia que podia tocar Bambi com as minhas mãos. Estava adorando, até o momento de uma das cenas mais tristes - a morte da mãe do pequeno cervo. Nossa! Não podia acreditar, era tão real que comecei a chorar e pedir que alguém a salvasse. Levantei da poltrona e implorava para pararem o filme e ajudarem a mãe dele, para que ela ressuscitasse e tudo voltasse ao normal, mas ninguém me ouvia. Apenas algumas pessoas que se sentavam atrás de mim pediam para que eu fizesse silêncio. Será que eles não estavam percebendo o que tinha acontecido? Bambi perdeu sua mãe! E agora? Ele era tão pequeno e indefeso!

Fiquei tão emocionada que minha mãe teve que me pegar no colo para tentar me acalmar, dizendo que tudo iria se resolver. Fiquei até o final do filme esperando que se resolvesse, mas ela não voltou. A sessão acabou, as luzes se acenderam, as pessoas começaram a sair e eu fiquei ali, sentada, esperando que o filme começasse de novo só para ver se dessa vez ela não morria.

Meus pais tentavam argumentar, explicando que era apenas um desenho, que não era de verdade, mas como eu poderia acreditar neles? Vi com meus próprios olhos e estava bem perto de mim. Ela havia mesmo morrido e não viu seu filho crescer. Ele ficou sem a mãe, era muito triste. Insistia para continuar ali, mesmo soluçando, não podia deixar o Bambi sozinho de novo.

Depois de várias tentativas, meu pai pediu ao ‘lanterninha’ que conversasse comigo, dizendo que ele faria companhia ao Bambi e que eu poderia ir tranquila. Fiz ele jurar e só depois disso, levantei da poltrona e saí, com os olhos vermelhos e um pouco traumatizada com a minha estreia.

E pensar que os animadores haviam desenvolvido storyboards mais detalhados de como ela perdeu a vida, mas o escritor Larry Morey achou que a cena seria impactante demais e resolveu amenizá-la. Já pensou se ele não tivesse tido bom senso? Talvez eu nunca mais entrasse num cinema.

Bambi” (1942) ficou marcado na minha história, não apenas por ter perdido sua mãe, mas porque o vi no cinema e ele parecia muito mais real do que se tivesse assistido pela televisão. O cine Rian foi inaugurado em 1932, pegou fogo em 1975 e as reformas reduziram seus 1130 lugares originais para 922 assentos. Foi demolido em 1983, dando origem ao Hotel Pestana. Que pena!

Sinto saudade dos cinemas de rua, são nostálgicos e me trazem muitas lembranças, mas mesmo com salas menores, em shoppings, a mágica do cinema continua me envolvendo e aflorando meus sentidos.

Abril/2024

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BIBLIOGRAFIA DO SITE

PRINCIPAIS FONTES DE PESQUISA

1. Arquivos institucionais e privados

Bibliotecas da Cinemateca Brasileira, FAAP - Fundação Armando Alvares Penteado e Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - Mackenzie.

2. Principais publicações

Acervo digital dos jornais Correio de São Paulo, Correio Paulistano, O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo.

Acervo digital dos periódicos A Cigarra, Cine-Reporter e Cinearte.

Site Arquivo Histórico de São Paulo - Inventário dos Espaços de Sociabilidade Cinematográfica na Cidade de São Paulo: 1895-1929, de José Inácio de Melo Souza.

Periódico Acrópole (1938 a 1971)

Livro Salões, Circos e Cinemas de São Paulo, de Vicente de Paula Araújo - Ed. Perspectiva - 1981

Livro Salas de Cinema em São Paulo, de Inimá Simões - PW/Secretaria Municipal de Cultura/Secretaria de Estado da Cultura - 1990

Site Novo Milênio, de Santos - SP
www.novomilenio.inf.br/santos

FONTES DE IMAGEM

Periódico Acrópole - Fotógrafos: José Moscardi, Leon Liberman, P. C. Scheier e Zanella.

Fotos exclusivas com publicação autorizada no site dos acervos particulares de Joel La Laina Sene, Caio Quintino,
Luiz Carlos Pereira da Silva e Ivany Cury.

PRINCIPAIS COLABORADORES

Luiz Carlos Pereira da Silva e João Luiz Vieira.

OUTRAS FONTES: INDICADAS NAS POSTAGENS.